Sinopse
Tudo partiu duma pessoa e da sua vida. O desafio que Luísa Taveira, diretora artística da Companhia Nacional de Bailado em 2015, me lançou foi o de criar um espetáculo para uma bailarina que chega ao fim da sua carreira: Barbora Hruskova. O meu papel e o de Mário Laginha era o de traduzirmos para o palco, em colaboração com Barbora, esse momento definitivo dum corpo que está prestes a abandonar a dança.
….Desejamos também mostrar ao público aquilo que a dança clássica obsessivamente esconde: o trabalho infernal que está por detrás da beleza etérea do ballet. A disciplina militar, a dedicação que é quase devoção, a compulsiva busca da perfeição, as privações, a constante autocrítica.
E sim, o prazer. Mas o prazer que resulta da escalada extenuante a cumes inacessíveis.
Se estivesse já escrita a biografia da bailarina Barbora Hruskova, este seria um espetáculo livremente baseado nesse livro. E a personagem de Barbora seria interpretada pela própria Barbora. Como se devolvêssemos a tradução à sua língua original. Partimos da sua história pessoal e tentámos torná-la uma história de todas as bailarinas para todo o público. Mas depois devolvemo-la a Barbora para que esta tradução seja preenchida do seu sentido original e da sua energia vital. Barbora costuma dizer que dançar é ser “atravessada pelas tempestades”. Ao vê-la interpretar o material que lhe compusemos, descobrimos que é ela a verdadeira tradutora. Barbora traduz as tempestades.
Tiago Rodrigues — janeiro 2015
O meu corpo não foi feito para dançar, mas eu nunca fui capaz de resistir à música. Quando era criança, obriguei o meu corpo a aprender a dançar. Ele obedeceu, mas contrariado. Eu, feliz, entreguei-me à música. Música é matemática, mas eu não gosto de contar. Em vez de contar música, prefiro contar histórias enquanto danço matemática. Divido tempo, multiplico gestos e adiciono dores. Cada dor no meu corpo, corresponde a um espetáculo de dança. Já danço há mais de 30 anos. Tenho uma coleção de dores. Quando ouço Prokofiev, dói-me o joelho. Quando ouço Sibelius, doem-me as costas. Mas nem tudo é dor. Gosto de ir cedo para o palco, quando ainda só lá está o afinador de pianos. Isso é a minha alegria antes da alegria dos outros, a calmaria antes da tempestade. As escalas da viagem antes do país de destino final. Não sei bem de que país sou, acho que a minha terra natal é o teatro porque é o lugar onde me sinto em casa. Já fiz as contas e tenho a certeza de que já passei mais horas da minha vida a dançar do que a dormir. Sonho mais quando danço do que quando durmo. Quando danço, tudo parece um sonho mas, como tenho dores, sei que é real. Dançar dói, mas dói mais quando estou parada.
Estreia absoluta
Lisboa, Teatro Camões, Companhia Nacional de Bailado, 5 de fevereiro de 2015
Barbora Hruskova Bailarina • Mário Laginha Música original e Piano • Tiago Rodrigues Texto e Direção • Cristina Piedade Desenho de luz
Imprensa
PÚBLICO
A ponta feliz da bailarina por Paula Varanda (Crítica)
Barbora já pode correr na rua sem medo por Gonçalo Frota